Cinco frases, cinco
2016-03-03 comunicação e-mail
Há tempos deparei-me com uma citação que traduzida seria algo como “escrevi esta carta longa porque não tive tempo de a escrever mais curta”1. Como já há uns anos que não escrevo cartas, lembrei-me de alguns dos relambórios que fizeram sofrer os meus interlocutores de e-mails. Tantas linhas, letras, frases e parágrafos que não fui capaz de sintetizar, por incapacidade, orgulho, sensação de proteção ou mera preguiça.
Fui então analisar o que podia melhorar nos meus e-mails, em particular nos internos de trabalho, totalmente decidido a optimizá-los (e deixar os relambórios para os editoriais…). Decidi que deveria cortar tudo o que o meu interlocutor já sabe. De um modo geral, quem me conhece sabe que sou rapazinho razoavelmente educado, portanto já sabem que me são “Caros” ou “Queridos”, que desejo “Bons dias”, semanas, meses e anos a toda a gente e não vou escrever uma declaração de guerra ou ameaça. Assim, decidi que na maioria das vezes este interlúdio não acrescentava nada e portanto era candidato a eliminação. Na maioria das vezes, vá.
Depois vem a mensagem propriamente dita. Pensei na quantidade de vezes em que a escrevi no assunto. E depois nas vezes em que não escrevi assunto nenhum. Então pus de lado a mensagem e concentrei-me no assunto. É a primeira coisa que se lê, tem que dar contexto. Meia dúzia de palavras que têm que ser a síntese do que se fala. Pffff, trabalheira. Não posso escrever sempre “Uma coisa”? Pronto, OK, vai dar trabalho… Talvez possa ter duas partes, um tema genérico muito abreviado (2-3 palavras no máximo) e depois o contexto do que se vai falar. Significativo, senhores e senhoras! Uma boa prática é pensar nas palavras que os meus interlocutores irão pesquisar, um dia que queiram encontrar este meu e-mail. Talvez incluir alguma indicação se for urgente ou tiver um deadline para uma acção. E fiquei satisfeito. Voltei à mensagem.
Comecei a pesquisar ideias sobre as mensagens em e-mails e encontrei uma outra citação, de Guy Kawasaki, um marketeer, empreendedor e autor que já passou pela Apple e Google, entre outros e que dizia “menos de cinco frases é geralmente abrupto e rude, mais de cinco frases desperdiça tempo”2. E gostei deste princípio. Nem epístolas que deixam qualquer um a ponto de ganir, nem SMSs kom a s lingo ppria. Nem o misto dos dois, os tradicionais “p.c.” (“FYI” em estrangeiro), que nos compelem a ler quilos de mensagens anteriores ao som da Carvalhesa. Obviamente nem todas as situações se adaptam a exactamente cinco frases, mas como objectivo parece-me bem. Acima de tudo obriga-nos a pensar o que queremos realmente dizer sem parecermos mal educados e a remeter para um documento anexo os detalhes ou explicações, caso (e para quem) sejam realmente necessários. Claro que nestas coisas há sempre os entusiastas e houve quem se tenha dado ao trabalho de criar uma espécie de movimento dando instruções para colocar um link na assinatura do e-mail para uma página que explica o porquê do e-mail curto (ver “five.sentenc.es” em referências).
Por fim, a despedida. Tenho sempre um sorriso particular reservado para os “Melhores Cumprimentos”. Porque há que tenha os bons, os medianos e os fraquinhos, ali reservados para uma qualquer ocasião. Mas, para mim, só os melhores. E então decidi que o mais simples e educado seria um simples agradecimento, mais não seja, pelo tempo que gastou a ler o meu (já bastante optimizado, espera-se) e-mail.
Esta cultura de síntese não nos é natural. Desde crianças fomos obrigados a encher folhas para atingir as composições de 2000 palavras, as duas folhas-de-exame no mínimo por resposta no teste de filosofia ou o trabalho de história com 20 páginas. Mas, se pensarmos bem, é uma questão de respeito. Respeitar o tempo dos outros e ser objectivo, não entrando em detalhes que muito provavelmente não são necessários ou com o pretexto egoísta de nos deixar protegidos, porque “estava naquele e-mail que te mandei, não viste?”. No fundo, esta filosofia minimalista alinha-se com as principais tendências apontadas aos locais de trabalho, como as comunicações instantâneas, dispositivos mais pequenos e variados, a necessidade de simplificação ou a constatação de que o e-mail não vai ser tão facilmente substituído quanto se pensava e continua aí para as curvas. Mas convém que não seja para nos deixar a todos enjoados.
1 - “Je n’ai fait celle-ci plus longue que parce que je n’ai pas eu le loisir de la faire plus courte.”, Blaise Pascal
2 - “Less than five sentences is often abrupt and rude, more than five sentences wastes time.”, Guy Kawasaki